25 junho 2011

A ESTRANHEZA DO NOVO

O processo de conhecimento ao longo do tempo tem sofrido diversas modificações. Em diversas áreas estas já são perceptíveis, em outras ainda estão em estado de experimentação passando “pelo dito” período de adaptabilidade para serem aceitas ou refutadas.

Especificamente em nosso dia-dia (o futebol é claro), na totalidade ou quase dos clubes desportivos, a primazia pelo treino tradicional em função de diversos aspectos (especialização da comissão técnica, isolamento das dimensões do jogo, testes para o controle das dimensões, facilidade para organizar sessões, constância dos mesmos exercícios e etc.) é notória e facilmente enraizada infelizmente. Ao treinar desta forma, segue-se uma “única religião”, onde impera os mesmo hábitos, idéias e gostos. Com a “religião do treino tradicional” os treinadores ficam cegos e não percebem a especificidade do futebol com sua singularidade pertencente em cada contexto.

Sendo assim: Por que não se questiona esse modelo de treino de fácil aplicabilidade, que singrou e singra durante vários anos com êxitos, e continua a ser utilizado por quase todos?
 
A questão única está no medo de: transcender, fugir do comum e modificar padrões instaurados na sociedade do futebol. Sair do modelo convencional, que foge do corriqueiro é uma tarefa árdua, especialmente pela nítida massificação das tais idéias do abraçar e morrer pela “religião do treino tradicional”. E quando se é percebido (através da ciência, que fique bem claro) que tal modelo é ultrapassado e questionado a cada dia que se passa pelo tempo perdido com o mesmo, surge a estranha sensação de alívio ao observar algo novo fluir, e em nada (ainda bem) se parecer com o arcaico. A partir daí, começa-se a entender que a troca de paradigmas é inevitável para a evolução de qualquer atividade humana.

Mas enfim, por que desabafar anteriormente aos escopos abaixo?

Ao preparar uma equipe para uma competição sub-15, tive que obter reforços e assim contar  com alguns jogadores de outras equipes. Muito bem. No primeiro treino realizado, apresentei a intenção de testar os jogadores (sem eles saberem é claro) com dois exercícios que trabalhassem especialmente o cérebro-corpo com uma menor complexidade, no sentido dos exercícios terem poucas interações, regras e especificidade do jogar que se pretendia construir:

Exercício 1 – Rondos Adaptados
 

Esse exercício pode ser usado de diversas formas, depende muito dos constrangimentos utilizados pelos treinadores para trabalhar os conteúdos da sua forma de jogar. Nesse dia o objetivo era trabalhar o “estado cerebral” dos jogadores. O exercício consistia inicialmente em três jogadores externamente ao quadrado, trocando passes entre eles e não podendo entrar e nem se deslocar pela parte interna do quadrado. Em sequência um jogador ficava ao centro tentando interceptar a bola fechando as potenciais linhas de passe abertas pelos jogadores de fora. A dinâmica inicial era: cada jogador tinha um número (1 a 4) e quando o seu número era chamado, teria que passar a estar no centro do quadrado tentando interceptar a bola. A partir disso, foi defina duas variações para aumentar a dificuldade do exercício e testar o “estado cerebral” dos jogadores:
1- Quando chamava um número, os jogadores que estavam no centro do quadrado, se deslocando para o outro quadrado no sentido anti-horário, trocavam de posição com outro companheiro do centro e continuavam a interceptar os passes.
2- Na outra variação, cada jogador tinha um número (1 a 4) e uma letra (A a D), então ao chamar um número, mantinha-se a mesma lógica anterior e passava a trocar de quadrado na posição central (interceptação de passes) no sentido anti-horário e quando chamava uma letra, os jogadores trocavam no sentido horário de posição exterior e continuavam a trocar passes.



Considerações do primeiro exercício:
 

No primeiro exercício na variação 1, dois “novos jogadores” custaram a entender a troca de quadrado para o sentido anti-horário e acabavam indo para o quadrado do outro sentido ou demorando para reagir e trocar na direção certa. Na variação 2, ocorreu uma grande dificuldade de “quase todos novos jogadores” entenderem a seqüência da troca de quadrado para ocupar a posição do meio no primeiro número e troca de quadrado e ocupar espaço exterior com determinada letra. Foi uma confusão imensa para rapidamente raciocinar para onde ir e o que fazer. Percebeu-se a dificuldade de concentração dos jogadores em lidar com fatores externos além da bola.

Exercício 2 – Troca posicional com coringa

Mais um exercício que pode ser realizado de diversas maneiras, de acordo com os problemas da equipe. Como o objetivo era testar os “jogadores novos”, o exercício foi realizado numa formação de 4 x 4 + 8. Inicialmente foram dividias duas equipes com 4 jogadores, e como pode-se ver na imagem, não foram distribuídos coletes de diferentes cores. Todos estavam com a mesma cor. O exercício teve apenas um constrangimento de regra, que era ao dar o passe para o coringa, este passava a jogar no centro do jogo (parte interna do quadrado) e quem disponibilizava o passe ao coringa passava a ocupar a posição exterior ao quadrado.



Considerações do segundo exercício:


Primeiramente percebeu-se que os jogadores demoraram a entender que após o passe ao coringa, deveriam trocar de posição com o coringa e sair momentaneamente do jogo e o coringa entrar no centro do jogo. Mais o grande problema percebido foi que os jogadores de fora (coringas) não estavam concentrados e poucos identificaram os companheiros, pois sem a utilização dos coletes, deveriam prestar atenção o tempo todo nas trocas de posição, formação e modificação das equipes. Visto que a dinâmica não estava fluindo, coloquei coletes de duas cores para cada equipe. Melhorou-se o entendimento da dinâmica, no entanto, até o fim ocorreram erros nas trocas de posição. Novamente percebeu-se que os jogadores não conseguiram assimilar esse ruído (regra) do exercício.
Mas por que explanar tal situação se sabe-se que um exercício requer tempo útil de adaptabilidade e a troca de hábitos só se modificada com a repetição contínua e específica de novos hábitos???
Primeiramente por perceber que os novos jogadores não são treinados para entenderem pequenas situações que ocorrem no jogo e simplesmente por ouvir de um jogador que esteve participando da sessão, “que executam os mesmos treinos há vários anos e nunca tiveram um treino que os estimulassem para o pensar”.
Refletindo sobre isso e modificando o tema brevemente, também percebi uma diferença grande quando chega um jogador de uma prática informal (jogadores criados em cidades menores com o futebol de rua ou o treino "peladão") nessa idade (13,14 e 15 anos) (ainda temos isso aqui) e um jogador que pertence ao treino tradicional. O jogador da prática informal apreende fácilmente, pois não se "poluiu" com hábitos estancados.

Sobre isso, deixo três perguntas: a prática informal até as idades infantis (13,14 e 15) é menos ou mais importante que uma prática sistematizada tradicional? 
Será um ciclo vicioso social e não apenas futebolístico a falta de estimulação do cérebro das pessoas (jogadores)? 
A prática liberta, com imensa variabilidade, estimula a criatividade e a compreensão de conteúdos mais complexos à frente em futuras categorias?

Voltando ao tema principal, percebo que poucos treinadores ultrapassaram a zona de conforto que estão inseridos, o que acaba infelizmente deixando nos jogadores marcas as vezes inalteráveis relacionadas à mentalidade robótica do apenas reproduzir sem saber o porque.
Ainda acredito que as futuras gerações abrirão a mente para as novas perspectivas que permearão as atividades humanas nos próximos anos. Dessa forma, é de grande valia tentar passar essas idéias (aceitas ou não pelos "doutores da bola") para outros treinadores e especialmente para os futuros jogadores, pois estes sempre são reflexos do que os treinadores pensam e aplicam nas sessões de treinamento.
Enfim amigos leitores, somente através da divulgação desse novo paradigma que poderemos fazer a população evoluir, mas que seja uma evolução singular a cada contexto, que sejam idéias para apenas estimular a criatividade e não uma evolução monocular para todos. 

Deixar os jogadores e o futebol igual, formatando-os: é "encomendar a morte".

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