01 maio 2011

USAMOS O CÉREBRO? A PERIODIZAÇÃO TÁTICA USA!


Dênis de Lima Greboggy
Rodrigo Vicenzi Casarin


CONTEXTUALIZAÇÃO

Você pensa sobre a complexidade do futebol e do ser humano? Pensa também na variabilidade de dimensões interdependentes, pertencentes interna e externamente à relação interativa do ser humano com o futebol? Pois bem, se você pensa somente na bola e em seus “gomos”, está apto para ser um extraordinário treinador! Será?
Entretanto, se você pensa na bola, fisiologia, liderança, neurociências, modelação e organização, certamente está com caminho totalmente correto, para que seja um tremendo treinador complexo.
Bom, como todos ou quase todos sabem (se não sabem devem obrigatoriamente saber), o futebol é um jogo complexo que requer que as equipes modelem a sua forma de jogar. Modelar é: ao mesmo tempo identificar e formular alguns problemas para resolvê-los por “simulação”. “A análise e interpretação do conteúdo do jogo de futebol e da funcionalidade da equipe pelo meio de simulação asseguram a possibilidade de utilização de uma metodologia científica na programação do treinamento” (Teodorescu, 2003). A modelação é uma antecipação coordenada da tomada de decisão individual e coletiva dos jogadores e da equipe, e só será plenamente eficaz se os jogadores perceberem e sentirem esta, através de treinos complexos.
Nos últimos anos tem-se percebido especificamente em esportes complexos como o futebol que, a tomada de decisão é influenciada pela emotividade sentida e pela quantidade-qualidade da prática contextualizada. Então, se a prática (treinamento) for emotiva (situações de jogo que geram emoções) e complexa, o cérebro fica capacitado para descobrir qual informação vai “prestar atenção”, e começa a decifrar os padrões da realidade com antecipação. Assim, quando chega o jogo, os jogadores  conseqüentemente a equipe agirão muito rápidos e automaticamente (na aprendizagem motora entende-se pelo estágio autônomo, subconsciente).
Temos hoje como objetivo descrevermos e por conseqüência fundamentarmos com argumentos científicos sólidos, consistentes, robustos, racionais e estáveis (nem sempre ou sempre inaceitáveis infelizmente ou felizmente), alguns pequeninos aspectos plenamente condizentes com as neurociências e metodologia do treinamento para o futebol, “quer alguns queiram, quer alguns não”.
  
APROFUNDAMENTO

A habituação dos jogadores de futebol, sempre reforçada pela constante e inacabada construção de um modelo de jogo envolve diretamente a atenção, memórias implícitas e explícitas. A memória corresponde ao processo pelo qual experiências passadas levam às inúmeras modificações no comportamento humano. Já a atenção é um conjunto de processos que levam à seleção ou hierarquização no processamento de determinadas categorias de informação, ou seja, o constructo “atenção” é o termo que se refere aos mecanismos pelos quais se dá determinada seleção (Gazzaniga, Ivry, & Mangun, 2006; Kolb & Whishaw, 2002; Lefrançois, 2008; Schmidt & Wrisberg, 2001).  
A memória implícita (para este momento a mais importante) é revelada quando experiências prévias facilitam o desempenho em uma tarefa que não exige lembrança consciente ou intencional (Schacter, 1987). Assim, a periodização tática, com os exercícios estruturados em função do modelo de jogo e seus respectivos princípios, habitua os jogadores a realizarem ações de forma inconsciente, automática, subcortical. Admite-se que processos automáticos de captação da atenção sejam velozes e não requeiram total controle ativo por parte do jogador, podendo, por isso mesmo, ocorrer concomitantemente a outros processamentos, com sofrendo pouca interferência. Quando interferências externas extrapolam a tomada de decisões automática (como a modificação repentina da forma de jogar, por questões equivocas e estratégicas do técnico sem o prévio treinamento e automatização) o jogador obedecerá a estímulos que passarão pelo córtex, de forma consciente (não automatizada), atrapalhando a execução de ações já aprendidas. Já quando um modelo de jogo é construído previamente e as estratégias do técnico são específicas e não interferem nos automatismos dos jogadores, as ações destes são desencadeadas prontamente (Callegaro & Fernandez, 2007; Pellegrini, 2000).

Os automatismos (entenda-se aqui um jogar automatizado) são padrões fixos de conduta selecionada que permitem ao jogador enfrentar as situações constantes e rotineiras de um jogo, com agilidade, rapidez e economia de tempo e esforço (Callegaro & Fernandez, 2007; Campos, 2007; Gomes, 2006; Pellegrini, 2000). A aquisição de automatismos depende da prática, do treinamento, da repetição sistemática em progressividade complexa. Uma situação problemática, que seja nova para os jogadores (muito peculiares, não autônomas), leva-os a estudar as ações no campo mais adequadas, e rápidas, para que possam ter comportamentos pretendidos pelo técnico, e que isso leve a uma melhor solução dos problemas do jogo (Pellegrini, 2000). E é exatamente nessa lógica que, a periodização tática visa e sempre visará uma habituação dos jogadores para determinados padrões de ações considerados como mecanismo não mecânicos, ou seja, abertos à variabilidade contextual. Essa habituação é conceituada (Kolb & Whishaw, 2002) como uma forma simples de aprendizado em que a força de uma resposta a um determinado estímulo diminui com as apresentações repetidas (adaptação).
A adaptação existe quando o organismo se transforma em função do meio. Como processo biológico, a adaptação procura o equilíbrio nos intercâmbios entre o organismo e o meio, a fim de preservar a organização interna do ser vivo. Como processo psicológico, a adaptação também procura um equilíbrio móvel entre o sujeito (jogador) que conhece e o objeto conhecido (a forma de jogar), o que exigirá uma serie de modificações nas estruturas e esquemas cognitivos.
O jogador que está em campo, sofrendo pressão em determinadas situações, pode ter determinados tipos de pensamentos automáticos, oriundos de esquemas possivelmente por experiências passadas com outros técnicos e jogadores. Um exemplo seria: dar chutões constantes ou fugir de um padrão de organização defensiva estabelecido. É nestes casos que o técnico e seus auxiliares devem unir forças para estudarem minuciosamente as competências ou até mesmo vícios de cada jogador, para cada posição, de tal forma a modelar exercícios para o treinamento que possam alterar esquemas e crenças que, com certeza todo jogador possui.
Com certeza poucos técnicos e psicólogos do esporte (estamos sendo otimistas) fazem tais deduções para um entender perspicaz sobre os jogadores, quem dirá para criar um modelo de jogo. Se o contrário fosse verdadeiro, absolutamente o futebol brasileiro não estaria nivelado tão por baixo nos últimos tempos. 
 A periodização tática altera a atividade neural de forma duradoura, isso é fato consumado e não há necessidade de testes, números, avaliações, provas para que seja notado. Basta ver os resultados que José Mourinho conseguiu até agora na sua carreira. Não existem provas maiores que essas: vitórias, títulos, recordes e etc.
Os exercícios específicos relacionam-se com novas aprendizagens e formação de memórias, bem como alterações neuronais. Isso acarreta com que neurônios sejam ativados simultaneamente, de forma repetida e persistente, ocorrendo um processo de crescimento ou de mudanças metabólicas nos mesmos, havendo uma reorganização cognitiva do jogador.
A Periodização Tática envolve modificações da expressão genética (genético não é necessariamente o que muitos pensam: hereditário) neuronal por meio da produção de novas proteínas em determinadas estruturas neurais, habituando os jogadores a se adaptarem muito facilmente a forma de jogar pretendida e à variabilidade contextual (decisional) no decorrer de um jogo. Quando técnicas cognitivo-construtivistas são utilizadas no processo de treino (como acontece na periodização tática), estas alteram estruturas corticais, promovendo efeitos positivos no rendimento. Neste sentido, esta metodologia, quando usada “corretamente”, tem a capacidade de ajustar diretamente sinapses, resultando em um aumento da potência e eficácia na comunicação neuronal e uma reorganização mioneural, promovendo a habituação específica, complexa e adequada ao modelo de jogo que se quer.  


REFERÊNCIAS


Callegaro, M. M., & Fernandez, J. L. (2007). Pesquisas em neurociência e suas implicações na prática psicoterápica. Psicoterapias abordagens atuais (3rd ed., pp. 851-872). Porto Alegre: Artmed.
 
Campos, C. C. A. (2007). A Singularidade da Intervenção do Treinador como a sua Impressão Digital na Justificação da Periodização Tática como um "Fenomenotécnica". (Monografia de Licenciatura em Educação Física). Universidade do Porto.


Gazzaniga, M. S., Ivry, R. B., & Mangun, G. R. (2006). Neurociência Cognitiva: A Biologia da Mente (Tradução A., p. 767). Porto Alegre: Artmed 


Gomes, M. S. (2006). Do Pé como Técnica ao Pensamento Técnico
dos Pés Dentro da Caixa Preta da Periodização Tática - um 
Estudo de Caso. (Monografia de Licenciatura em Educação
Física). Universidade do Porto.
 
Kolb, B., & Whishaw, I. Q. (2002). Neurociência do Comportamento (1st ed., p. 630). Barueri: Manole.


Lefrançois, G. R. (2008). Teorias da Aprendizagem: O que a velha
senhora disse. Tradução da 5ª. edição norte-americana (5th ed., p.
479). São Paulo: Cengage Learning.
 
Pellegrini, A. M. (2000). A Aprendizagem de habilidades motoras I:
O que muda com a prática? Rev. paul. Educ. Fís, 3(São Paulo),
29-34.

 
Schacter, D. L. (1987). Implicit memory: History and current status.  Journal of Experimental Psychology: Learning, Memory and Cognition, 13(3), 501–518. doi: 10.1037/0278-7393.13.3.501.

Schmidt, R. A., & Wrisberg, C. A. (2001). Aprendizagem e
Performance Motora (2nd ed., p. 352). Porto Alegre: Artmed.

Teodorescu, L. (2003). Problemas de teoria e metodologia nos
jogos desportivos (2nd ed., p. 222). Lisboa: Livros Horizonte, LDA.
 

 

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