09 janeiro 2011

MODELOs DE “PENSAMENTOs-TREINAMENTOs”


Prof. Rodrigo Vicenzi Casarin
Prof. Dênis de Lima Greboggy


Ao expandir-se, o universo gera complexidades cada vez maiores e ordens cada vez mais altas. É convicção dos cientistas que, alcançado certo grau de complexidade, a vida emerge. Assim, também a consciência e a inteligência. Todos nós, nossa capacidade de amar e de inventar, não estamos fora da dinâmica geral do universo.

(LEONARDO BOFF)

Após a realização de uma breve introdução das dimensões que permeiam o pensamento complexo, tentar-se-á aqui, nesta próxima charla, abordar as diferenciações entre “unidade abstrata do baixo (reducionismo), unidade abstrata do alto (holismo)”, o pensamento complexo e simultaneamente realizar uma pequena iniciação aos modelos de treino-competição. 

REDUCIONISMO

Apesar da percepção que a sociedade atual pensa de forma complexa, a realidade nos demonstra uma organização humano-social fragmentada e desarticulada, constituída por compartimentos estanques e incomunicáveis, que produzem uma formação humana e profissional insuficiente para o enfrentamento das práticas sociais que exigem formação mais crítica e competente.
O reducionismo (como o próprio nome refere: reduzir), é referido como o método (ou caminho) de se conhecer o mundo que implica um “partir” em pedaços e reconstruir as propriedades a partir das partes de partes assim produzidas.   


 

A ANÁLISE
(segundo Descartes)

“O segundo, (Reducionismo) de dividir cada dificuldade a examinar em tantas quantas as parcelas possíveis, de forma a melhor a resolver”.

Ilustração

A análise disjunta – descontextualizada. Para representar uma árvore, é necessário decompô-la numa grande porção de serrim.

(LE MOIGNE, 2007)
   

Além disso, outra idéia que surgiu e facilmente se inseriu no contexto do reducionismo foi o entendimento do ser humano pelo dualismo entre o corpo e a mente. A rígida barreira imposta por essas idéias estanque e fragmentada que coloca o indivíduo (corpo) como objeto de ação parcial e obriga-o a constituir-se em um corpo dividido, alienado, desumanizado, ainda repercute nas atividades ensino.
O saudoso Filósofo do Desporto Manuel Sérgio, e que em inúmeras vezes será neste simples Blog citado, defende com muita propriedade e autoridade, que o homem é transcendência e complexidade. O Filósofo não separa corpo e mente. O corpo é uma estrutura complexa. Assim, Manuel Sérgio criou a Ciência da Motricidade Humana. “A CMH é um problema epistemológico porque, através de uma inequívoca mudança de paradigma (aqui está um assunto muito interessante, os famosos paradigmas da sociedade), cria um discurso novo; é um problema ontológico, pois concede a prioridade à pessoa no ato da transcendência, e não só ao físico ou ao corpo-objeto, tanto ao nível de educação, como no desporto, como saúde e etc”.
 O futebol e TODOS os demais desportos não podem jamais esquecer que as Ciências do Desporto, a Educação Física e demais áreas afins, não são áreas de “físicos”, mas de pessoas no movimento intencional da transcendência (ou SUPERAÇÃO). 

Descartes fracionou o todo em partes para se poder estudar profundamente algo que se desejava. Isso foi um marco na História, na Filosofia. Porém, vemos que se Descartes estivesse vivo e, por exemplo, lesse o livro que fala de seu próprio Erro, escrito pelo Neurologista português Antonio Damásio, (O Erro de Descartes), a transcendência (ou superação) já emergiria e não nos resta menos dúvida disso. É similar dizer que: se Freud estivesse vivo, possivelmente a psicanálise não seria levada a ferro e fogo por muitas pessoas que trabalham com o CORPO (como também é levada a ferro e fogo o periodizar de Platonov, o periodizar de Lev Pavlovich Matveev considerados por muitos os pais do treinamento desportivo, e que deram suas contribuições científicas para o Desporto). Essa tendência assumiu-se como bíblia no futebol. 


Nesse modelo, conhecido como Treino Convencional-Tradicional, o processo de treino-competição é embasado especialmente pelo desenvolvimento das dimensões fragmentadas (física, técnica, tática, psicológica) e por muitos que “ainda não se superaram”, supervalorizando a dimensão “física”.
Inicialmente influenciada pelos desportos individuais, posteriormente essa abordagem “evoluiu” para o desenvolvimento das capacidades físicas tendo em conta as características do jogo em geral e as “famosas avaliações físicas”. Mais tarde, buscou-se integrar as dimensões (física, técnica, tática, psicológica), e sempre visando desenvolver as capacidades condicionais tal como as tendências anteriores, ou seja, desenvolver a capacidade física. Integrar não é interligar, ainda mais com um “olhar cartesiano”. 




HOLISMO

A consciência da existência de fenômenos que não podem ser reduzidos às suas partes em separado conduziu ao holismo, que pode ser visto como uma corrente de pensamento oposta ao reducionismo. O holismo propõe a observação de um fenômeno complexo como um todo, ao invés de como uma “coleção de partes”.
Nosso saudoso Morin (1977) também é cuidadoso em afastar do pensamento complexo o conceito de totalidade, de “uno”, e faz suas as palavras de Theodor Adorno (1903-1969): “A totalidade é a não verdade”.
Para Palazzo (1999), considerar um fenômeno como um todo e apenas identificá-lo com uma unidade, é, fundamentalmente simples. Esta visão, entretanto, também negligencia um importante aspecto das entidades complexas: o fato de que elas são compostas de partes distintas, mesmo que essas partes se encontrem em estreito relacionamento.
A visão do “todo” conduzida pelo holismo, é visualizada facilmente (e agora falando de nosso desporto futebol), pela exacerbação do jogo (jogo geral ou formal), e mais conhecido como Treino Global. O que mais enxerga-se nessa corrente é o jogo de 11 x 11 (coletivo, ou treinamento em conjunto) e os famosos peladões (soltar a bola e deixar rolar, como soltar um porco no meio da multidão com o objetivo de alguém capturá-lo) em espaços reduzidos.
Será que “esse todo” defendido pelos amantes da visão holística é suficiente? Será que “esse todo” não é um “todo abstrato” ou um “todo mentiroso”? Temos nossas dúvidas! 

COMPLEXIDADE

Um sistema não é harmônico nem desarmônico: é as duas coisas ao mesmo tempo: É COMPLEXO. É por isso que Morin sustenta: o sistema é o conceito básico da complexidade. Não pode ser reduzido a unidades elementares, nem a conceitos simplificadores nem a leis gerais. Por outro lado, não se pode reduzir tudo a ele.
Na construção de uma ciência da complexidade, deve-se, portanto buscar uma visão capaz de transcender a polarização entre holismo e reducionismo, permitindo a modelagem de sistemas que apresentam simultaneamente a característica da distinção (sendo, portanto separáveis do todo em uma forma abstrata) e da conexão (sendo, portanto indissociáveis do todo sem a perda de parte do significado original.
Ao entrarmos na complexidade, seguramente, novamente e constantemente nos remeteremos há algumas idéias do nosso novamente saudoso Morin. Desta feita em sua obra intitulada “O paradigma perdido: a natureza humana”, Morin nos deixa com seus “vivos” dizeres: “notemos que a complexidade também se manifesta como diversidade e variedade no próprio determinismo social: não reina a mesma lei para todos, visto que, no vértice, se vive acima da lei a que estão sujeitos os subordinados, que os marginais vivem nas fronteiras da lei e que até os solitários são perseguidos ou se colocam “fora da lei”. Não existe determinismo estrito ao nível microssocial das atrações/repulsões embora o conjunto obedeça a um determinismo global.”
“A ameaça permanente mantida pela desordem é que confere à sociedade o seu caráter complexo e vivo de reorganização permanente. Radicalmente diferente da ordem mecânica, a ordem “viva” é a que renasce sem parar. Com efeito, a desordem é constantemente absorvida pela organização, ou recuperada ou metamorfoseada no seu oposto (hierarquia). ou esvaziada para o exterior (desvio). ou mantida na periferia (bandos marginais de jovens). Absorvida, esvaziada, rejeitada, recuperada, metamorfoseada sem cessar, a desordem renasce constantemente e a ordem social, por sua vez, também renasce sem parar. E assim surge a lógica, o segredo, o mistério, da complexidade e o sentido profundo do termo auto-organização: uma sociedade se produz por si só sem parar, porque se destrói por si mesma, sem parar.”
“Para Von Neumann, a complexidade surgiu como uma noção-chave. Não só significava que a máquina natural põe em jogo um número de unidades e de interações infinitamente mais elevado do que a máquina artificial, mas também significava que o ser vivo está submetido a uma lógica de funcionamento e de desenvolvimento completamente diferente, lógica essa em que a indeterminação, a desordem, o acaso, intervêm como fatores de organização superior ou de auto-organização”.

Rui Faria e José Mourinho = PERIODIZAÇÃO TÁTICA
E ao falarmos de complexidade transcendência e futebol, logo associamos as premissas da PERIODIZAÇÃO TÁTICA. Conceituar esse meio de treino é algo complexo como seus pilares conceituas (modelo de jogo) e metodológicas (princípios metodológicos). Tentamos aqui trazer algumas idéias: “Desenvolver uma dada forma de jogar, de acordo com uma lógica do treinador que é concretizada juntamente com os jogadores, ou seja, desenvolver um jogar. Para isso, concebe o processo de preparação no espaço de desenvolvimento deste jogar através da organização do jogo. O jogar de uma equipe resulta do modo como uma equipe se organiza em vários momentos do jogo, nos níveis de organização e na interligação desses “fractais do jogar” (partes que compõem um jogar, porém com uma lógica e respeitando um contexto). Deste modo o processo de treino assenta no desenvolvimento de princípios de interação dos jogadores para modelar o jogar que o treinador pretende. Trata-se de operacionalizar o modelo de jogo da equipe. Essa lógica leva-se a singularidade do contexto (cultura do clube, características dos jogadores...) , por que a operacionalização é um processo dinâmico e constante que resulta de uma organização concepto-metodológica com determinado sentido.” (GOMES, 2008).

“O segredo da “natureza da coisa” tem a ver com dinâmicas isto é, está nas inter-intenções e inter-decisões, nas interações, nas conexões, nos (re) ajustamentos, nos padrões de organização".
(FRADE, 2010)

Professor Vitor Frade - Criador da Periodização Tática




  CONSIDERAÇÕES FINAIS

Evidentemente que  MODELOs de PENSAMENTOs-TREINAMENTOs “unidade abstrata do baixo (reducionismo) e a unidade abstrata do alto (holismo)”, trouxe incontáveis ganhos, e ainda produz sentidos e significados aos seus aliados. Entretanto, há uma eminente necessidade de TRANSCENDÊNCIA-SUPERAÇÃO, ou seja, entender o Universo (Futebol) através da complexidade.
 As considerações mencionadas no transcorrer do texto não pretenderam bombardear a “unidade abstrata do baixo (reducionismo) ou a unidade abstrata do alto (holismo)”, apenas exaltar o pensamento complexo.
Então caro-complexo leitor e amante do futebol, percebemos nitidamente que o modelo humano-social que mais nos identificamos interfere em nossas decisões, ou melhor, nas idéias que elegeremos para o nosso treino-jogo de futebol, portanto influindo ininterruptamente em nossa visão deste fenômeno, que para muitos é tão simples, e para poucos é tão complexo.

Um forte abraço para todos
Obrigado pela leitura
Fiquem com Deus, e até a próxima!

Observação: A seguir, algumas referências que nos serviram de diretrizes para a construção deste artigo. 

REFERÊNCIAS

ALMEIDA FILHO, N. Transdisciplinaridade e Saúde Coletiva. Ciência & Saúde Coletiva. II (1-2), 1997.

FRADE, V. (2010). Notas das aulas de metodologia II – Futebol. Porto: FADE-UP

EL-HANI, C. N., et al. Conflitos e perspectivas nas relações entre biologia e cultura. Interfaces, v.1, n.1, p.10-16.1997.

GOMES, M. (2006). Do Pé como Técnica ao Pensamento Técnico dos Pés Dentro da Caixa Preta da Periodização Táctica – um estudo de caso -. Monografia de Licenciatura. FCDEF-UP.

LE MOIGNE, JEAN-LOUIS (2007). Inteligência da complexidade: Os objectivos éticos da investigação e da intervenção em educação e formação não remetem para um ‘novo discurso do método de estudo do nosso tempo’? Texto da conferência proferida na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa, a 15 de Fevereiro de 2007. Sísifo. Revista de Ciências da Educação, 04, pp. 117128.

MARIOTTI H. Reducionismo, holismo e pensamentos sistêmico e complexo: suas conseqüências na vida cotidiana. Disponível em: http://www.palasathena.org, 2001.

MARTINS, F. (2003). A Periodização Táctica segundo Vítor Frade. Mais que um conceito, uma forma de estar e reflectir o Futebol. Monografia de Licenciatura. FCDEF-UP.

MORIN, E.(s/d). O paradigma perdido: a natureza humana.Portugal:Publicações Europa-América.

PALAZZO, Luiz A. M. . Complexidade, Caos e Auto-organização. In: III Oficina de Inteligência Artificial, 1999, Pelotas. III Oficina de Inteligência Artificial. Pelotas : Educat, 1999. p. 49-67.





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