20 setembro 2011

“CARTA ABERTA AO MEU AMIGO NUNO AMIEIRO”

NOS BASTIDORES DA PALESTRA DE NUNO AMIEIRO A RESPEITO DA PERIODIZAÇÃO TÁTICA NO BRASIL: O OBSERVAR, ESCUTAR E SENTIR DE FORA DAS QUATRO LINHAS

Quase nenhum dos ouvintes de sua palestra....

Considerações inicias e finais

Nuno Amieiro veio com intenção de complementar a palestra ministrada pelo professor Zé Guilherme no ano passado, e muito mais que isso, desmistificar alguns PRÉ-CONCEITOS pensados pela “quase totalidade” do público brasileiro quando o assunto é a Periodização Tática (PT).
Um tema complexo como esse exigia uma apresentação complexa, e Nuno mesmo tentando estar um pouco menos profundo em sua abordagem, acabou percebendo no transcorrer da apresentação que o público não estava preparado para compreender a Periodização Tática nem em sua “fase embrionária”.
Antecipando, poucos sujeitos absorveram a complementaridade das duas palestras (Zé Guilherme anteriormente) e a do Nuno Amieiro (atual), e muito menos do excelente e impactante conteúdo da mais recente.
Vamos então adentrar nas entranhas dos conteúdos expostos por Nuno com sua brilhante exposição, através de algumas anotações que realizei, e que a partir destas, me identifiquei e acrescentei algumas idéias particulares com “certo” cinismo necessário pelo perceber dos rumores que estive a escutar e a lamentar...

Pois então...amigo Nuno...

Tu dizias que para estar na Periodização Tática, é necessário jogar. O futebol, sendo um jogo infinitamente complexo, fica explicito que temos de jogar soltos, habituados, com eficiência, eficácia, “estar a andar sempre na mesma direção” lado a lado e não apenas correr por correr, saltar mais alto (o que não decide jogos) e “muscular” (exercícios de musculação dentro do ginásio ou academia). Falaste que este jogo pode ser jogado de diversas formas, preferencialmente nas quais mais nos sentirmos identificados. Portanto, é assim que reside o que a Periodização Tática preconiza que é organizar e modelar uma forma de jogar em um determinado e amplo contexto, em busca de uma identidade coletiva, regulada pela complexidade dos princípios metodológicos interdependentes. Assim tu já deixas claro que a PT não veio ao Brasil através de suas palavras com o objetivo de catalogar e formatar nada, e sim dar variabilidade e emergir liberdade aos diferentes contextos, por aqui se tratar de um país continental com muitas diferenças. Pois bem... Mas tu sabes que eles queriam a “receita da torta”...que lástima, pensei.
É Nuno, não podemos negar que a PT virou um fenômeno metodológico (uma fenômeno-técnica) em expansão. Por cá, os gajos falam e falam “dessa” periodização tática com a boca aberta (sem conhecimento de causa), e acham-se entendedores convictos e plenos da verdade da PT, dizendo que ela é isso, é aquilo, mais se soubessem que a verdade está na nossa frente, na nossa realidade contextual, não falariam a quantidade de besteiras que tenho escutado e também lido. Os da extrema, os radicais tradicionais, falam que a PT é estéril ao supostamente apenas trabalhar a dimensão tática (pobres coitados, pobres mentes, pequenos cérebros). Então, você com sua apresentação os deixa realmente com a boca aberta, trêmulos como varas de bambu ao vento vindo do Rio Guaíba, quando pautas que a dimensão tática é a inter-relação de todas as dimensões (técnica-fisica-psicilogocia-estratégica-cultural-estrutural e etc.), com as ideias de jogo pretendidas, rompendo com a tal da simples tática dos “bonequinhos para cá e para lá” dentro do relvado.
Pois bem Nuno, muito mais que isso, você deve ter ouvido quase todos a falar do tal do modelo de jogo. Contudo, até uns dois anos atrás não existia esta expressão aqui. Ninguém falava nada do tal de modelo de jogo, só que Mourinho popularizou, o Mourinho ele mesmo com o Livro do Senhor Nuno Amieiro. Agora, todos estão a falar do tal de modelo de jogo com as “grandes ideias tão pequenas”, e o senhor confirma que modelo de jogo é tudo e não apenas as ideias de jogo. É a cultura, as condições da relva, as bolas, a interferência do presidente, todas as dimensões presentes no dia-dia do clube, é a nossa tática, as nossas inter-relações. Ouviram senhores, “é duro ouvir o que não queremos ouvir”, mas para o desgosto de vocês, modelo de jogo não é apenas as tais fases de jogo que pensam (defesa e ataque e alguns fundamentos que usam para atacar e defender), é tudo e mais um pouco imbricado.
E o senhor continuou a falar sobre a majestosa PT, e os gajos brasileiros quase dormiram, pois pensavam que traria na bagagem um precioso prato do dia com uma receita de feijoada que todo brasileiro gosta. Foste inteligente, trouxe na verdade e com muita sabedoria muitas pitadas de pimenta e ingredientes de alta complexidade para os que quiserem cozinhar com sua perspicácia e intuição, não seguindo aqueles livros de mil e tantas receitas. Na sua palestra com bem fizeste, não tinha receita nenhuma, nem pistas, e sim idéias brilhantes para quem quiser identificar-se com o magnífico conteúdo. Parabéns!
Depois das muitas olhadas que deste no panorama da sala e sentindo o clima confuso entre duzentos e poucos que lá estavam o Senhor começou a falar sobre os princípios metodológicos, e os gajos que supostamente dominavam a PT, ficaram mais confusos ainda ao verem apenas três princípios: Progressão Complexa, Propensões e Alternância Horizontal em Especificidade, pois até a noite anterior da sua preleção havia cinco (Progressão Complexa, Propensões e Alternância Horizontal em Especificidade, Especificidade e Desmontagem e Hierarquização dos Princípios). Pensaram então: essa periodização tática é confusa não? Até ontem tinham cinco e hoje tem três. Pensei: Gajos há uma teia de relações que os tornam princípios e que se complementam. Essa sede por quantificar isso ou aquilo é preceito cartesiano, a PT está fora disso. Fiquei com vontade de interromper-te e lhe pedir para fazer uma abordagem a respeito da teoria da complexidade...bom, depois pensei bem e fiz bem em não interromper.
Sabiamente continuou com suas palavras abordando com sensibilidade a necessidade da criação de contextos de exercitação que mantenham a inteireza do jogar, reduzindo a complexidade (fractais) e que incidissem sobre os princípios de ação e as vias bioenergéticas com sinergia. Nesse momento seus espectadores novamente acordaram do sono e pensaram: até que enfim vamos ver exercícios, queremos vê-lo passar uns 10 para aplicarmos com nossos jogadores. E lá me decepcionei: Não...não caros amigos...
Amieiro é difícil entender que a teia de relações é um continum, e que o treinar é sempre em função de modelar o jogar que se pretende. É extremamente difícil sair (ou querer sair) da zona de conforto. Para que raciocinar se a vadiagem pelo que todos fazem é mais fácil? Para que pensar se alguém já pensou? Melancólico...
Bah como dizem os gaúchos, e o Senhor deve ter ouvido, esse cara de Portugal fica falando em intenção prévia e em ato, em hábitos, em neurônios, antropologia, evolução da espécie, timing motor...o que é isso? E ainda tive de ouvir meu vizinho de poltrona: “esse palestrante não entende nada de futebol, até agora não falou nada sobre sistemas de jogo e sobre treinamento físico, até parece médico ou filósofo”. Depois dessa impactante piada, tive a vontade de pegar meu carro e fazer meus 600 km de volta para minha cidade natal, e ler sem ninguém me atrapalhar pela décima vez a entrevista do Prof. Vitor Frade. Coitado do Prof. Frade, deve estar com as orelhas quentes, pois todos (maioria esmagadora de ignorantes aqui no Brasil) estão falando da tal da PT, mas falando o que? Falando coisas que não conhecem. E em falar em conhecer: ninguém tem a necessidade daquilo que não conhece. Abençoado senhor Vitor Frade.
E que tal a musculação... alteração do padrão de contração, necessidade do entendimento que o músculo é um órgão sensível....essa nem perdemos tempo, pois os preparadores físicos quase enlouqueceram quando esmiúças-te as deformidade que o “erguer do ferro” acarreta em nossas cadeias musculares.
E o Senhor, seu “chato”, continuou a discorrer relativamente aos principais equívocos que existem sobre a PT, e quando chegou ao tópico que abordava o recuperar e proferiu que “tão importante quanto treinar é descansar, novamente os imensuráveis e incontáveis, pois são cinco ou seis em cada comissão técnica, os tais preparadores físicos ficaram “ALUCINADOS”. “Já viu darmos folga na segunda, já viu pararmos o treino várias vezes, já viu não recuperarmos com musculação, já viu não recuperarmos com as corridinhas ao redor do campo?”Mais perplexos ainda ficaram quando falaste que na PT recuperava-se em especificidade com exercícios modelados pelo jogar que incidiam sobre todas as fontes energéticas, claro e evidente, com tempos menores e com um maior tempo para recuperar. Ali, naquele encontro, percebeu-se a total ignorância sobre a PT por aqui no Brasil, total mesmo... Novamente então, tenho que ouvir dois gajos conversando no Coffee Break, que até aí concordavam mas que o recuperar tinha que ser com a corridinha aeróbia e com a famosa sessão recuperativa de musculação. Amigos...amigos..não...não...se não contemplar o jogar pretendido (se é que entenderam o que é o jogar pretendido) não será NUNCA PT.
Bom Senhor Amieiro, deixaste bem claro no início da Palestra que quem acreditasse que as palavras proferidas em sua leitura do João Batista Freire e Sócrates (o treino de futebol deve ser de uma forma ou de outra… futebol. Se o nadador treina nadando, se o sprinter treina correndo, por que não há de ser futebol o treino do jogador de futebol?) teria facilidade de entender suas palavras e quem não acreditasse iria (e irá) ter uma enorme dificuldade de entender o que estaria explicando... SENSACIONAL...
Amigo Nuno...acho que poucos entenderam e não vão entender nem mesmo lendo 800 vezes toda bela e riquíssima apresentação que fizeste cá, pois penso que primeiro há a necessidade urgente no sentido de trocar o PARADIGMA DE PENSAMENTO, para a partir daí, muito mais que procurar a receita, compreender as frutíferas dimensões que fazem parte da maravilhoso mundo da PT e inter-relacionar com a prática diária complexa-contextual que a PT exige.
Espero que não tenhas se decepcionado demasiadamente com “Esse Brasil da Bola”, mas como lhe falei quando estive contigo no Tirsense, a realidade aqui é muito pior que se possa pensar, e acho que percebeste um pouco disto nesses dias que estiveste por cá.
Infelizmente Nuno, a cultura da bola d’aqui está tão enraizada com esses preceitos estanques que sinceramente estamos nos encaminhando para o fundo do baú. O problema é que muitos falam que estão “fazendo a periodização tática” (nem sequer sabem o que estão a fazer). Acho que a única coisa que esses cegos infelizes estão fazendo é se enganar e enganar os jogadores ao seu redor. De enganadores bastam àqueles treinadores que você viu comandando suas equipes nos jogos que assistiu por cá... isso se você teve paciência (e não teve vontade de chorar) para assistir o jogo até o fim e não foi comer um cachorro quente e conversar com a cozinheira. Tenho a certeza que tu não pediste a receita do cachorro quente como quase todos pediram da Periodização Tática para ti!!! ... Coitados, pobres coitados. Quem sabem numa próxima encarnação a PT adentre o Brasil e reine eternamente para que aqui possamos ter e ver um futebol de verdade, e não a enganação que estamos a ver e ter.
Caros amigos Brasileiros, para estar na PT são necessários muito mais que sair de simples conceitos tradicionais ou ler o livro do Nuno, é indispensável sim, permear-se da pura complexidade existente em nossa existência, nas teias relacionas com o mundo, no complexo do futebol e no contexto que inseridos estamos.

...conseguirá internalizar o escrito acima, muito menos a própria palestra.

Por fim Nuno, obrigado pela sua palestra e um abraço da complexidade.

Rodrigo Vicenzi Casarin

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