24 janeiro 2015

Da informação-abstrata a informação-organização-operacionalização do treino


Rodrigo Vicenzi Casarin

Não dá para negar que alguns sinais animadores nos últimos anos vem acontecendo no cenário nacional. Sejamos otimistas, ou tentamos ser. Evoluções, exportação e importação conceituais, aspectos internos e externos; nada excepcional, nada para "brilhar os olhos" e deixar "estático" os fenômenos processuais sem revisar e criticar construtivamente o momento atual.

Olhando para trás, analisando friamente, o futebol teve resquícios de evolução e automaticamente quem trabalha em seu contexto.

O olhar cartesiano, pai de todas as explicações, visto como “autoridade áspera e máxima”, aos poucos foi sendo superado por um olhar mais global, bem como por outro “advindo da integração das dimensões”. De fácil aplicabilidade, as lacunas e os desentendimentos sobre esses dois olhares foram sendo superados, e hoje vários profissionais "bebem um pouco da água dessa fonte".

Em outro viés e mais distante em termos balizares e conceituais, as tendências balizadas pela complexidade começaram se alastrar. O termo complexidade é um princípio transacional que faz com que não nos possamos deter apenas num nível do sistema sem ter em conta as articulações que ligam os diversos níveis. Isto quer dizer que ao tentar simplificar um sistema complexo estamos, a destruir, à priori, aquilo que tentávamos perceber, isto é, a sua inteligibilidade (SILVA, 2005).

Modismos, chavões, religiões e conceituações rígidas fazem parte de todas essas tendências. Mas especialmente as balizadas pela complexidade, temos visto bruscamente "conceituações precipitadas e infelizes", pela falta de entendimento, profundidade e sensibilidade. E a complexidade não tem culpa disso. Entender o futebol pela complexidade exige uma sensibilidade transdimencional e contextual, antes que qualquer coisa.

Bem, o fenômeno do não “entender ativamente esses modelos”, especialmente e racionalmente plausível os balizados pela complexidade, criou-se uma corrente que pode ser apelidada como “tendência da informação-abstrata”. Essa tendência configura-se em virtude dos meios tecnológicos e vem se alastrando trazendo todas informações de todos os formatos e aspectos, sem filtro, promovendo profissionais e alguns embustes no “seio do treino-jogo”.

Realmente, estamos numa era informativa de grande valia, mas até que ponto isso pode influenciar o futebol?

A minha primeira preocupação que pode parecer irrelevante é a esterilidade da busca e do estudo contextual pelo treino e pelo jogo através dos feedbacks teóricos práticos diários e dos problemas específicos. Pergunto: Copiar treinos é o mesmo que criar treinos? Ler livros e artigos é o mesmo que ler escopos? Assistir jogos inteiros é o mesmo que ver jogos editados? A sensibilidade diária é adquirida de que forma?

Minha segunda se centra especialmente sobre os jogadores. Pergunto: O meu contexto atual exige o que? Meu jogador teve histórico passado para assimilar esses conteúdos? Esse conteúdo ou exercício será específico para a evolução específica dele? Será que todos os jogadores do Brasil podem ter o mesmo treino? Os exercícios do Chelsea são importantes para os meus jogadores? A intervenção específica conta para algo?

Não sou hipócrita de afirmar que não vejo publicações, postagem e algo no caráter e que nunca utilizei algo ou não achei algo interessante nesses mecanismos ou que já não fiz isso. Enfim, sem justificativas injustificáveis, temos que identificar para evoluir e errar para evoluir. Desculpem-me, mas criei certa resistência com algumas informações sem profundidade, pois ainda acredito que estudar o treino e o jogo por fontes ricas (muitas e de fácil acessibilidade) e o contexto inserido, é o que leva a informação-organização-operacionalização do treino para uma especificidade especifica que é o jogar pretendido.

Este é o ponto limiar dessa reflexão: a emergência de perceber que a informação sem aplicabilidade e especificidade vira apenas uma “muleta mental” para o contexto e o jogador.

Mas alguns vão questionar: Isso é muito melhor que o tradicionalismo e os métodos ultrapassados? Isso é o que os treinadores tops fazem? Isso está dentro das tendências de treinos pautas pela complexidade? Será? Será que um exercício com uma estética perfeita garante tudo? Um exercício copiado garante? O que é complexidade? E o que é complexidade para a minha equipe?

Entender o futebol pela complexidade exige além do domínio operacional das ideias especificas do jogar e do domínio do treino, uma sensibilidade transdimencionalculturalcontextual, entender de sinergia coletiva e de jogadores. Fácil, né? Ah, e se questionar todo dia: o que eles estão precisando? O que o contexto-complexo me disse hoje?

Aterrissando novamente nessa temática. Tudo bem, embora os riscos do modelo da informação-abstrata não sejam tão altos como outros modelos de treino ao olho nú e cru, em longo prazo, pode se tornar um deformador de contextos, treinadores e jogadores. Será? Radicalismo? Evidente que nada é completo dentro de um processo, mas a incompletude intelectual em termos de intervenção, construção e progressividade específica pode provocar “cavidades”, especialmente perda de criatividade. Pergunta: Cadê os rabiscos nos papéis e os exercícios criados com insights dirigindo da volta do treino?

A criatividade é o carro chefe “no inventar” do “treinar”. Treinadores que carregam suas ideias, suas convicções, se não são criativos aos constrangimentos que o novo contexto exige, acabam “apanhando”. O problema é que estamos todos esquecendo que a criatividade é o engenho da inovação e nos avaliza nos ambientes mais adversos. Por isso, as organizações melhores geridas, são aquelas que operam na fronteira do caos que implacavelmente levam a cabo um caminho de criatividade e inovação contínua conduzido por um processo natural de auto‐organização (STACEY, 2003).

A pluralidade do futebol atual exige ascensão diária identificada por cada contexto. Portanto, a sensibilidade futebolística nunca será permeada por cópias abstratas. Enquanto se insistir na cópia, na coleção de fatos e no ver sem entender, pouco promoveremos "mudanças abismais".

Não adianta, o código do segredo está na vagarosidade qualificadora da complexidade. Buscar mudanças profundas, viscerais, complexas no futebol, às vezes nos leva a examinar nosso verdadeiro lugar nele.




Nenhum comentário:

Postar um comentário