Rodrigo Vicenzi Casarin
“La irremediable lucha por la identidad es lo que me mantiene cuerdo en este mundo de locos.” (Marcos Ponce de León)
Sábado e Domingo como de "praxe" assisti alguns jogos pelos campeonatos Europeus para procurar "aumentar meu acervo de conhecimento". O que mais me chamou a atenção foi que as três equipes que acompanho quase todos os jogos da época apresentaram algumas “similaridades disfuncionais”. Essas equipes vem de uma densidade grande de jogos e ainda estão “vivas” em duas ou três competições simultaneamente. O Bayern que jogou sábado contra o Colônia e venceu por 1 x 0 fazendo um jogo muito abaixo da média, na quarta enfrentou uma eliminatória de grande dificuldade e grande desgaste pela Champions League contra a Juventus. Já Dortmund e Liverpool que se enfrentarão pela Quartas de Final da Euro League, jogaram no domingo pelos campeonatos locais. O Liverpool tomou uma virada de 3 x 2 contra o Southampton depois de um bom primeiro tempo e o Dortmund venceu o Augsburg por 3 x 1 em um jogo irregular, ambos jogaram na quinta-feira pela Euro League em partidas menos desgastantes comparativamente ao Bayern, já que encaminharam a vaga na primeira “perna” das oitavas de final com bons resultados, mas como jogaram tiveram repercussões no organismo.
A constatação foi que essas equipes que procuram ter um fio norteador comum que é a bola ou jogar e não deixar o adversário jogar, nesse final de semana fizeram jogos mais difíceis que o costume, se complicaram em alguns instantes cruciais no jogo, perderam intensidade decisional, intensidade física-específica, alternando “estágios de jogo irregulares”, e tiveram pouca fluidez funcional-posicional. Claro que hoje, essas duas ligas não são tão fáceis como se ouve falar, várias equipes possuem um jogo coletivo, pressionam alto e defendem em bloco baixo com propriedade, e mais que isso, seus futebolistas evoluíram pelos processos criados melhorando a capacidade individual e o entendimento de jogo. Então não existe mais essa história de jogo fácil.
Esse fator na Europa acontece com menor frequência comparativamente ao que vemos aqui no Brasil, especialmente quando equipes possuem um calendário apertado e procuram ter ideias de jogo mais complexas ao nível decisional. Colocaria o Grêmio e Corinthias mais próximo disso. Evidente que a falta de fluidez nessas equipes é vista com mais frequência por ainda termos algumas mazelas culturais vindas do berço.
Bem, essa problematização pode acontecer com diversas formatações, em diversas épocas do ano, e não apenas em um jogo ou no período final de afunilamento das competições, mas se plantou como uma situação pertinente para avaliarmos. Por isso, levantei algumas reflexões, que resultam em múltiplas respostas pela complexidade processual que a realidade do futebol comporta.
Agora, de fora é muito mais fácil fazer prognósticos depois dos fatos terem acontecido, por que no futebol não sabemos o que ocorrerá até que ocorra. Há "um sem fim de relações e inter-relações" para cada questão levantada dentro do futebol e há múltiplas características culturais, contextuais, crenças pessoais, ideias modeladoras, feedbacks adaptativos de cada corpo técnico para gerenciar um processo de treino-competição que um período denso competitivo visando o próximo jogo e os constrangimentos do adversário de uma equipe e diferente da outra.
O que não podemos é questionar apenas alguns detalhes, entrar em debates pouco relevantes ou reducionistas na hora de analisar. Também não podemos entender os fatos isolados. E o que mais se escuta e se debate em todo o mundo não vai além do assunto que o “excesso de jogos e algumas lesões de jogadores importantes impediram a equipe a conseguir o resultado ou jogar melhor”. Apenas isso, separadamente é suficientes para entendermos? Será que também os jogos que carregam um valor maior, das competições Europeias, do meio da semana, são apenas suficientes para determinar essa tendência? Ou estamos num processo altamente complexo que inicia quando inicia o primeiro treino da época e nas escolhas em termos de ideias e gestão operacional da rotatividade pela comissão técnica?
Bem, primeiramente todas essas equipes jogam um futebol ofensivo e procuram propor o jogo com a bola e estar com ela a maior parte do tempo , isso determina algumas “escolhas específicas” para resolver as ações de jogo e atingir o objetivo maior que é vencer seu oponente. Nesse caso, indica um processamento maior de ideias de jogo e mais complexas que o adversário. Mesmo que concretizadas e articuladas de forma diferente entre essas 3 equipes, a opção por utilizar a bola como fio condutor exige um desgaste cognitivo maior “a curto, a médio e a longo prazo”. Além disso, a forma intensa que encaram o jogo, entendendo primeiramente intensidade como estar concentrado durante todo o jogo elevando ao máximo o número de decisões mais próximas do ideal arrastam consigo repercussões maiores que se estendem por toda funcionalidade do corpo dos jogadores e automaticamente nas relações dos jogadores e na construção coletiva da equipe. Então, será que ao enfrentarem equipes que jogam menos, que possuem ideias de jogo menos complexas, que estão menos desgastadas pode-se ter certa desvantagem quando estamos próximos de uma fadiga cognitiva acumulada pelo excesso de jogos ou por treinos que não respeitam uma lógica de desempenho-recuperação?
Mentalmente também a equipe/jogador precisa manter um nível de motivação/desejo alto, já que não é a mesma coisa jogar um jogo que vale a vaga para final de uma Copa Europeias e dois dias depois enfrentar uma equipe do meio da tebela pela campeonato local, correto? Também soa diferente para uma equipe que está na liderança com certa folga, uma equipe que está na caça no líder, e outra distante do líder e no meio da tabela buscado uma vaga em competições europeias. Apesar de que qualquer equipe de alto nível e qualquer jogador a top tenha que enfrentar todos os jogos da mesma forma. Mas sabemos que às vezes, no íntimo, propriamente pelo nível de dificuldade do jogo passado e também pelo imaginário coletivo da equipe, pelo relaxamento, pode acontecer uma armadilha para o aqui-e-o-agora que é o jogo atual que previamente pode não ser imaginado como um cenário predileto e sim facilitado teoricamente, mas sem se perceber isso, no instante do jogo, a tônica vai mudando e o jogador e a equipe não conseguem juntar forças de relações para manterem-se ativos dentro do nível esperado e até mesmo pelo fator motivacional do adversário. Será que só falando e alertando sobre a importância do jogo resolve?
Outra dimensão é a fisiológica/bioenergética. Sabemos que cada equipe possui seu novelo bioenergético para encarar o jogo, e também sabemos que se precisa no mínimo de 4 dias para uma equipe voltar a ter esforços mais próximos do jogo. Como fazer isso nesse calendário atual? No último final de semana Bayern, Liverpool e Dortmund tiveram apenas 2 dias entre um jogo e outro, e pela forma agressiva que encaram o jogo ao nível do novelo bioenergético, a probabilidade de terem jogos difíceis aumenta bastante quando enfrentam equipes com 4 ou mais dias de folga entre um jogo e outro. E foi o que aconteceu. Dentro do jogo as equipes apresentaram intervalo maiores de fadiga, especialmente nos últimos 30 min de jogo, o que aconteceu com o Liverpool e Bayern. Isso não tem nada a ver com a dimensão física em correr mais ou menos que o adversário, simplesmente no desgaste global do organismo e no pouco tempo de recuperação/treino. Saber correr com intencionalidade como essas equipes fazem ou correr menos, também demanda de descanso e uma correta gestão do processo de treino.
E esse dilema todo vem a tônica o termo Rotatividade. Fazer com que todos os jogadores se sintam importantes não é uma tarefa tão fácil em plantéis numerosos e até com certo ponto de disparidade ao nível de qualidade. Mas é uma das missões da comissão técnica fazer com que todos se sintam motivados jogando mais ou menos. Agora como essa rotatividade é planejada? Apenas nos momentos de maior densidade competitiva? Em jogos mais fáceis? Em jogos em casa? Em competições diferentes? Ou já no inicio na época na pré-temporada?
Está claro que quando mantemos uma equipe com poucas trocas cria-se conexões exclusivas, pois os jogadores adquirem um nível de entrosamento. Agora quando alternamos drasticamente vários jogadores, tiramos 2 ou 3 jogadores que “são os pilares do jogar” ou usamos toda hora inconvenientemente a rotatividade interferindo na coesão da equipe, pode-se gerar alguns problemas, por que a implicação de novos jogadores revela-se novas interações por suas características únicas e novas características que podem não desvirtuar a forma de jogar da equipe, mas deixa-lá sem a fluidez necessária.
Então, “o fio da navalha” é ter uma rotatividade constante, rodar poucos jogadores, ter equipes diferentes para uma situação como essa, manter o máximo que puder a mesma equipe ou trocar os jogadores mais cansados dentro do próprio jogo? Aumentar o número de substituições para 5 ajudaria ou dificultaria? Conseguimos treinar tudo isso ou devemos fazer uma escolha? E os problemas são apenas dessas equipes que apresentaram desgaste cognitivo no final de semana pela forma de jogar? Não sabemos. Só sabemos que rotatividade deve ser processada de uma certa maneira, mas cada um fábrica a sua maneira.
E é essa maneira que entra o processo de treino que deve gabaritar os jogadores e a equipe para chegarem nas melhores condições para o próximo jogo. Apesar dos jogadores menos utilizados também serem tops, eles precisam de uma pré-disposição organizacional-funcional-entrosada mais próxima do ideal toda semana. Então a rotatividade deve também entrar durante a semana do processo de treino, mas no meio dessas semanas será que sobra mais tempo para treinar ou para recuperar? De que forma treinamos e de que forma recuperamos? Ou conseguiríamos encontrar um misto de recuperar-treinar para otimizar a funcionalidade individual e da equipe? Agora nesse recuperar-treinar será que conseguimos gerar padrões e relações específicas para ter uma rotatividade necessária no plantel sem descaracterizar a equipe? O que fazemos com os jogadores que menos jogam para tentar manter a identidade já que estão menos desgastados? E os que mais jogam assiduamente? Como nivelar esse viés?
O treinamento num padrão semanal cheio com um jogo ou com dois jogos nos permite se operacionalizarmos corretamente manter a funcionalidade especifica da equipe e buscar interações para cada situação concreta que queremos para um determinado encontro. Conseguimos gerir alimentando todos os jogadores corretamente sem deixar uns demasiadamente gordos e outros demasiadamente magros de conteúdo. Agora também podemos disponibilizar demasiada comida para todos e o jogo virar uma grande congestão. Eis a importância das refeições-sessões equilibradas para todos, especialmente quando se joga muito.
Mas não adianta, por mais que se treina, se estuda e planeja algo em função do adversário, se permite e muito ao erro, mas haverá uma opção de flexibilidade durante a partida que é voltar há alguns jogadores principais, fazer alternâncias estratégica sem perda da identidade ou aceitar que aquele determinado jogo o adversário foi melhor e que poderíamos ter feito escolhas diferentes na prévia do encontro quanto a rotatividade.
E isso tudo não se faz com apenas um simples argumento único e correto, algumas de suas condições realmente está no erro. A sensibilidade e a paixão para descobrir esse erro e outros erros podem aproximar cada vez mais a equipe dos acertos e da regularidade tanto esperada em todos os jogos mantendo a rotatividade como uma aliada, já que propor o jogo é muito mais desgaste globalmente e uma regularidade constante requer uma apurada sensibilidade de todos integrantes do processo da modelação do jogar da equipe. Enfim, quando entendemos que o processo de treino-competição se sucede de erros e acertos dentro de um espiral chamado “complexidade”, passamos percebê-lo na sua natureza, ou seja, o gerindo como uma obra de arte.
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